sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Tripartite

Em meu corpo adulto de homem,
três espíritos parlamentam
e decidem o rumo que sigo.

O primeiro é de uma criança,
cujo lar era a beira da praia.

O segundo espírito é um jovem,
que foi lá porque quis e morreu
numa guerra que aos bravos clamara.

O terceiro é de um homem bem velho.
Ele veio das roças de cana
e da lida dos pastos sem cerca
do interior do interior do Brasil.

Pois, às vezes, criança e jovem
se coligam no voto, contrários
às cismas de meu ancião.

Já, por outras, o velho e o miúdo
dão as mãos pra vencer as malícias
que meu moço traz dentro do peito.

Mas o jovem e o velho não se dão,
nunca se deram a fazer unidades.

Logo, assim, meu espírito menino
é o partido de mais influência.

sábado, 1 de outubro de 2011

Estadia

Estou em Recife
mas Recife não está em mim.

Em mim, está a dor do Rio de Janeiro.
Sentou na última cadeira
e deixou tudo em pé lá fora.

Se eu estivesse no Rio,
não estaria mais perto
nem estaria mais longe
da graça monumental da vida.

Só estaria no Rio.
E, em mim, persistiria essa dor
que herdei da cidade
e adotei como filha.

Minha filha dor.
Dolores del Rio de Sá.

sábado, 21 de maio de 2011

Suave é a noite

Reparticentes nos tempos da Era do Jazz

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Gullar sobre a necessidade. E o milagre.

FG

Eu terminei de escrever o Poema Sujo no exílio, na Argentina. Por que o Vinicius de Moraes trouxe o poema gravado para o Brasil? Por que o Augusto Boal insistiu para que o Vinicius me obrigasse a ler o poema? Ora, porque comovia as pessoas. O próprio Vinicius ficou com o olho cheio d’água quando o leu pela primeira vez. No dia seguinte ele já voltaria para o Brasil. Nós demos um jeito e fizemos a gravação. Se não prestasse, iam achar que ele estava louco. Só que as pessoas se apaixonaram pelo poema. Caso contrário, ele não aconteceria. Não existe amigo, nem decreto presidencial, nem instituição alguma que faça sobreviver uma coisa que não interessa às pessoas. É só isso. A poesia se mantém porque nos toca e se faz necessária na vida das pessoas. Agora, quando não presta, não presta. E aí não há milagre.

Trecho retirado de entrevista com o poeta Ferreira Gullar na Revista de História da Biblioteca Nacional. Primeiro de agosto de 2010. Para ler na íntegra, clique aqui e sirva-se à vontade.

terça-feira, 22 de março de 2011

Nota da Repartição

A Repartição da Flor é um blog de literatura. Desta vez resolvemos abrir uma exceção; Gabriel, nosso amigo, foi preso de maneira estapafúrdia, sem provas, sem processo e sem flagrante. Foi levado para um presídio e tratado como um criminoso comum, embora tenha apenas levantado uma bandeira, exclamado algo. Hoje Gabriel foi libertado por um Habeas Corpus junto de mais doze pessoas acusadas de estamparem seus adesivos. Sobre o acontecimento nosso querido Ronaldo escreveu este belo artigo que decidimos compartilhar no blog: Paz - e guerra!

Paz - e guerra! (e barbas de molho)

▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒Qual é a força que move as nações?
▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒▒Tolstoi. Guerra e paz.

▒▒▒A História demonstrou que, como a biografia dos homens, define-se muitas vezes pela ironia.

▒▒▒Machiavel é rico em exemplos do que se afirma, quando resolve citá-los, quer a propósito de Roma, quer do Príncipe. Ironias, entretanto, transformam-se em sarcasmo, quando, antes que saibamos quem será a vitima, ela já se estampa diante dos nossos olhos, como num espelho, com a nossa própria fisionomia.

▒▒▒Quis a ironia que presenciássemos a concessão do prêmio mais importante da Paz, a um senhor da Guerra. Desde as bombas de Hiroshima e Nagasaki, a democracia norte-americana não se impõe como uma nação pacífica. Cabia parar e pensar diante de um país envolvido com dois importantes conflitos, no Afeganistão e no Iraque, antes que alguém, a qualquer pretexto, sugerisse escolher Barak Obama para uma homenagem de tal porte. Conviria, antes, aguardar os acontecimentos. Ele, diga-se a seu favor (quem sabe por ironia?), mostrou-se até constrangido ao tomar conhecimento da distinção.

▒▒▒A mais recente é a escolha do cenário brasileiro, durante o encontro formal entre chefes de Estado (note-se que o Brasil se absteve diante da resolução da ONU autorizando a iniciativa), para o anúncio da inauguração de um terceiro conflito, agora contra Kadafi, para que, sobre os anteriores, comecem a empilhar os corpos da população líbia. Não bastavam os cadáveres calcinados com que atapetaram o seu caminho (incluindo os de soldados americanos), ou os saques aos tesouros arqueológicos da antiga mesopotâmia e sua perda talvez definitiva. A indústria bélica exige – e não transige. É um jogo conhecido, mas, por favor, deixem de lado a palavra Paz.

▒▒▒Por infelicidade, uma ironia sempre evoca outra. Rompendo a anuência servil dos nossos dirigentes no trato da visita oficial de Barak Obama, alguns jovens resolveram protestar. Motivos não faltavam. Feria a sensibilidade a entrega da Cinelândia, palco de honrosas manifestações, para que um dirigente estrangeiro realizasse um comício, algo que só não se consumou pelo excesso de exigências de sua segurança. Isso já acontecera na Alemanha, salientarão. Verdade. Só que lá, ainda não se tratava de um mandatário, era apenas um candidato que aspirava ao cargo. O Teatro Municipal, casa destinada ao exercício da música erudita, por outro lado, não correspondia ao perfil do que com ela se pretendia. Não espanta que a diretora da casa haja declarado que a notícia lhe caíra (metáfora perfeitamente adequada) como uma bomba na cabeça. O Itamaraty, o Palácio do Planalto, tudo bem. Mas o Municipal, belo e reformado, no auge da sua grandeza, para servir de palco a novas ironias... Por quê?

▒▒▒Aos manifestantes, como se vê, não faltavam razões. Queriam prestar uma homenagem a Nelson Rodrigues e quebrar a unanimidade burra com que se desejava ostentar a passividade da índole nacional. A resposta, bruta e desproporcional, trouxe à memória (em nova ironia) os tempos da ditadura, quando se prendia e batia por delitos de opinião. Medidas conscientes de Governo, sem dúvida, uma vez que as autoridades não se limitaram a deter os participantes. Transferiram-nos para presídios, numa espécie de condenação simbólica sem relação com o tamanho dos atos.

▒▒▒Como os demais do grupo, Gabriel de Melo Souza Paulo, aluno da Faculdade de Letras da UFRJ, teve os cabelos raspados. Na época, fizeram o mesmo com Caetano e Gil, para que se enquadrassem no sistema. É um estudante apreciado por todos pela suavidade com que sabe discordar e defender pontos de vista.

▒▒▒A ele, saúdo pela coragem. E faço um apelo para que conserve a tenacidade, não dobre a espinha. Com ou sem ironias, não desista. Guarde sempre o Gabriel que admiramos.

Ronaldo Lima Lins

sexta-feira, 11 de março de 2011

Apelação em favor da amizade

Perdi o jus de amar-te como homem
no tribunal que os dois de nós armamos.
Sem provar nada, ao Sol, calor de ontem,
sentenciamos fim. Quem hoje somos?

O amor ficou, mas falta, ao mesmo tempo,
é viuvez de quem mal fez-se noivo.
E como pesa o peito sem o peso
que acustumara usar do teu repouso!

Tudo se vai, mas falta não se vai,
que a falta é o tudo que restou nas mãos.
Portanto, apelo, se me cabe um ai,

mesmo assentado o júri pelo Não:
Vai, me concede amar-te como um pai!
Vai, me permite amar-te como irmão!

segunda-feira, 7 de março de 2011

De volta

Vincent Van Gogh
Jardim florido - Vincent van Gogh