terça-feira, 2 de novembro de 2010

Lançamento

A Repartição da Flor convida os seus leitores e as suas leitoras para o lançamento de dois livros na próxima sexta-feira. "Contrabismo" do poeta Jimmy Charles Mendes e "Memórias: o imenso esquecimento" de Diego Braga. Às 17 horas do dia 05/11 na Livraria Arlequim, Praça XV, Loja L do Paço Imperial. Logo abaixo vocês encontram um poema desse tão querido e singular companheiro, que é o Jimmy. Tendo sido apresentado pelo blog numa postagem do ínicio de 2010 (12 de janeiro), agora nós também podemos contar com o belo prefácio de João Pedro de Sá, ou seja, o reparticente Teófilo de Flamboyant.



Serenata morta


Deve ser o cantar do medo
que me trouxe aqui.
Em teus braços tortos,
meigos, que tolice!
E pensar que seria você
a musa polida ao eterno.
Que pudesse sonhar e sonhar
o cortejo das coisas efêmeras
e só.
Como se cantassem pássaros por
fetiches ávidos.
Como se houvesse o mar
realinhando os acordes
do tempo.
Sereno desabrochar de pedras
nessa vontade fértil de morrer
em mim.
Teus braços sentenciam
minha ternura insana.
E chamarei teu nome como prova
de que meus desejos dormentes
apenas se calam.
Bastando cantar aquela sombra
mais perfeita que beija as mãos
frias de meus úmidos lamentos.

(Jimmy Charles Mendes)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Prefácio para "Contrabismo"

▒▒▒Será o acaso a desembocadura de esperanças dos homens flagelados pelo medo? Isso depende. No contraditório mundo de nossa era, o talvez mais universal dos sentimentos seja exatamente esse medo, nosso pai, nosso companheiro, de que Drummond falava.
▒▒▒Mas se medo todos temos, da morte e da vida severa, há também a teimosia como contraponto. A teimosia sertaneja, que é a força. É preciso encontrar a saída e o acaso para os teimosos não basta. Os teimosos, mesmo com medo, criam. Do abismo ao seu contrário (uma colina, imaginamos, verde e iluminada) a poesia é uma cisma.
▒▒▒Cisma é, entenda-se, a um só tempo, ruptura e persistência. As cismas cansam, mas justamente porque são a insistência de um ideal na realidade.
▒▒▒O poeta Jimmy Charles Mendes é um fingidor, à regra portuguesa, mas é também um cismador, conforme a cisma poética brasileira.
▒▒▒Esta é sua primeira publicação não dividida com outros autores: Contrabismo. Trata-se de uma coletânea dos primeiros versos escritos por Mendes. A idéia de publicar os poemas de noviço terá sido, imagino, influenciada pelo exemplo de Daniel Gil, outro poeta estudante na Faculdade de Letras da UFRJ que há meses atrás publicou Poesia Adolescente. O conjunto da coletânea é heterogêneo, coisa que é quase regra nessas obras de confissão de inícios. Contudo, já figuram e fulguram poemas que demonstram a dignidade constelar da coleção.
▒▒▒É desafiante, se não for errado, dizer de um poeta tão jovem qual a sua verdadeira face. Tanto porque a verdade não cabe numa amostra, quanto porque a face do artista raramente é uma só. Mas tentarei esboçar uma breve leitura dessa dose, desse bocejo.
▒▒▒Na expressão mais física, encontramos um gosto por jogos de verbar substantivos e adjetivar verbos: “Fiz-me renovo”, entre outras oportunidades. Em seu tom, a sua vontade de dizer parece sempre ser maior que a duração dos versos e mais alta que a voz das palavras e o poeta faz questão de dizê-lo: “Enquanto poeta sou vida”.
▒▒▒A poesia de Mendes é, isto podemos dizer, um exercício de esbanjamento de lirismo e de muita pessoalidade. Nota interessante é como ele se preocupa em explicar, por exemplo, a palavra gasta pelo uso rotineiro, não para dar legendas a um possível leitor, mas para reinaugurá-la mesmo na sua própria poesia. Talvez assim possa fazê-lo na vida, quem saberá?
▒▒▒Mendes inunda os termos cansados com um conteúdo maior que o continente: “Ah, despedidas.../são suaves passaportes para/uma outra dimensão/que se diz saudade” e “a fome de um suculento e saboroso/ prato chamado vida”.
▒▒▒O grande, os espaçoso, o eterno, o universal estão presente em boa parte dos poemas. Assim como o próprio tema da poesia e, aí reside a santa persistência de sua escrita: a poesia como ferramenta para vida.
▒▒▒Que me seja permitido dizer que estamos diante de um poeta proletário e que me seja permitido lavar tal título. Não falo de um realista em poesia, pois nosso poeta não o é. Nem tão pouco de alguém que afine os versos com o diapasão da propaganda política. Façamos justiça e salvemos Brecht, Maiakovski e todos que fizeram beleza na arte com verdadeira fidelidade a suas inquietações mais profundas. Mas, ou melhor conjunção que aquela: E reneguemos a vileza do estalinismo que criminalizou a individualidade e liberdade líricas.
▒▒▒Se digo que estamos diante de um poeta proletário é precisamente porque estamos diante de versos de incontinência e de desejo de transpor a realidade em sonho, construindo o real com o sonhado – “Liberdades constroem o rosto” – o dom humano por excelência e que a desumanidade da vida em classes pôs e põe em risco mortal. A poética mais sonhadora será a mais humana se o coração clamar por transformação: “Homens-relógio redescobrem/ o mundo” ou “E assim me torno ausente/no meu avesso que nasce em mim”. Não é à toa, portanto, que o título deste livro tem por alvo os – cansados e sonhadores.
▒▒▒Para não me alongar e dar logo início à viagem individual do leitor, é preciso dizer que ler Jimmy Charles Mendes, em que pese a já citada heterogeneidade deste primeiro livro, dá-nos, ou dá-me, a comparação com tomar um vinho frutado. Jamais será com tomar uma cachaça, nem a cerveja que é pelo autor homenageada. Tampouco um licor afeito a cálice pequeno. Saiba-se que aqui se usam copos bojudos servidos duma lírica feita para inebriar, dessas que se bebe ao fim de um bruto dia de trabalho. Cansaço e sonho se encontram e a poesia faz casa nas bocas abertas dos homens.