domingo, 22 de agosto de 2010

3 anos

A Repartição da Flor completa 3 anos. Ainda ontem estávamos sentados - numa ladeira de santa teresa - sem saber no que ia dar. Nossa primeira apresentação, quando éramos seis, consistia num expediente de trabalho completo e que nos mandava rasgar muitos papéis. Depois incorporamos o hábito, continuamos rasgando, até que restaram três membros e alguns rascunhos da estréia. O terno escuro e a camisa clara por baixo, a pequena flor de guardanapo, noites e luas de um vago tempo passado. Tudo isso faz lembrar um filme em preto e branco, que pode até mesmo ser mudo, já que poemas são mais escritos que falados. Oh, não me perguntem o diretor: Orson Welles, Fellini, Bergman? Não saberia dizer, talvez não chegue a cinema, mas apenas uma fotografia meio desgastada pelo tempo. No princípio acreditamos, ingenuamente, que essa indumentária acompanhava nosso papel de funcionários, e só depois descobrimos que era um luto. Já Fernando Pessoa não chegou tarde assim, ele sempre esteve ali, no amontoado de poemas, e se diferenciava de nós pela sua cartola. Era guardador de livros ou tradutor de cartas comerciais - de qualquer forma produzia papéis que poderíamos ter rasgado. Ele desejou o mundo, por isso fez a melhor poesia inspirada de nossa língua no século XX, por isso o vício em álcool e as viagens de Álvaro de Campos. Aliás, nunca poderia ter saído de sua escrivaninha. Quanto à gente, aprendemos um pouco sobre essas coisas em petrópolis. O que se parece mais com acordar numa garrafa de black label? Só um verso como este "meu coração é um balde despejado". Me lembro de um de nós acordar e ficar lendo todos os ingredientes daquele uísque, e depois de tecermos considerações eu abrir a janela. Sobre o lago do quintandinha a névoa fluía feito a marca-d'água, o céu estava perfeitamente branco, e a folhagem verde-escura parecia esquecer que precisava se ligar ao chão. É claro que poderia estar na escócia, pensei. Álvaro de Campos se formou em glasgow, Johnnie Walker é meu xará, estamos abaixo dos 10ºC. No fim, tudo terminou com uma quebra em nossas contas bancárias, o que não é mal, se pensarmos o que Lady Macbeth fez com toda aquela gente nesse país. Ah, creio que foi a partir daí que abandonamos as horas de trabalho: se é para representar, melhor que seja do final do expediente pra lá. Agora logo no início nós colocamos a garrafa na mesa, temos os poemas, o violão, e nunca mais foi preciso rasgar papel nenhum.

3 comentários:

josé agapanto disse...

Apenas adicionamos um, chama-se Eric Dalles.

Teófilo de Flamboyant disse...

Tivemos pandeiro, flauta e chocalho. Agora temos um violão.

Noutro mundo, talvez, em vez de operários da burocracia, pudéssemos ter sido uma banda. E, então, passaríamos, cantando coisas de amor.

"A rosa triste que vivia fechada se abriu..."

josé agapanto disse...

Só tu.