segunda-feira, 10 de novembro de 2008

um diálogo com a tradição


Na foto, Jayme Ovalle, Otto Lara e Vinicius de Moraes; alguns de nossos padrinhos. E muito tempo passou...

domingo, 28 de setembro de 2008

chambre vie

"Damas, cavalheiros, senhoras, senhores, crianças, boa noite! Nós somos A Repartição da Flor..."

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Poemática

Apresentação da Repartição da Flor
Poemática - Dia 24/09, quarta - 18hrs
Galeria de Artes do ICHF
Campus do Gragoatá da UFF, bloco O, térreo
Praça Leoni Ramos, s/nº - Gragoatá - Niterói

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Para Luciana

à maneira de Neruda
Às margens do guamá
certa madeira encravada
originária
eram árvores derramadas de chuva
e à sombra
era você
se derramou em mim
esparramou nas costas
engoliu dedos, rompeu o cacto e a rocha
em mim
eram meus olhos
que se abriam ao céu maior de suas mãos
corriam miúdos
pela carne
para lembrar seu gesto
formatando sonho num luar
amarelado e negro
de esperança e ardor
eu esperei a angústia daqueles barcos
emudecidos da ilusão da morte
apalpando o rio como a um templo
vagarosos
e a sua espera arroteou
tudo o que em mim era aperto
fazendo pressa onde foi lago
penetrando meus dedos
na espuma aérea, envolta
enevoada de nossa margem
choramos do mesmo rio
a mesma água
abrimos do mesmo beijo
uma ferida e da sombra tão esparsa que nos cobria
partimos como pães a luz de um astro
para o tempo geral de nossos dias.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

ao Uísque Teacher's

Prezado Professor,
a Academia anda me trazendo uma boa margem de considerações sobre a literatura, tenho acordado às terças e quintas pontualmente às 6:15 da manhã, e não bastasse tal exercício de comprometimento tenho aprendido declinar o latim, dissociar a lingüística gerativista da cognitiva e sobretudo tenho conhecido a ordem de efeitos da estrutura curricular. No entanto é com certo misto de desgosto e alívio que encaminho esta carta escrita à v.s.ª.
Permita-me apresentar o momento que de ti pude tomar notícia, foi em um mercado na serra. O dia estava bem acordado, usávamos, como uns antigos, lenços vermelhos no pescoço, e fui apresentado à vossa senhoria, com gelo. Num primeiro instante acreditei na ilusão adolescente do alumbramento sublime, sorte que depois constatei ser uma veracidade. As gramáticas descritivas e normativas não me ensinaram a ti, mas a serra sim, porque no frio de um hotel Avenida, frente à igreja de Santa Tereza em Teresópolis eu aprendi a verdade da pedagogia universal. Você foi carinhosamente levado pela estrada de Petrópolis, até uma casa no Centro Histórico, bebido numa biblioteca, justo em meio à nossa apresentação, e só foi terminar na Casa do Sol, casa macia do Sol, que nos disponibilizou shampoos e camas de casal para todos. Assim você acabou: aparentemente; pois a impressão que nasce desta garrafa onírica é que o conhecimento e a erudição, após descerem ao fígado, tornam-se irrecuperavelmente eternos.
Amigo Professor, a conclusão final destas linhas em onda é um termo de agradecimento pelo horizonte ao avesso que me trouxeste frente ao gosto da Academia, trazendo a esta virada de julho pra'gosto um vívido sabor de carvalho embarrilzado.
Professor, com ternura e agradecimento, volte Sempre.

Ao primeiro mês de aniversário da garrafa, deixo esta carta, com saudade. (01/09/08)


terça-feira, 2 de setembro de 2008

um dia no camping do seu ageu

beber da boca da manhã
brisas frescas de amendoeira

pescar nos ombros da pinga
hibiscos da praia do sono

à tarde catar fogueira
à noite assar uma história:

"A rede do céu pega mais
que todas as redes ao mar..."

domingo, 31 de agosto de 2008

Moça do sapatinho de laço

Não é pelo rosto, certo pássaro, racifero,
ocelote d'água. Pelo sorriso que insurge
como a estrela que insurge, não é.

Não é pela madeira desfiada,
cachoeira sobre os ombros,
que vela a espádua se a noite velar a fuga. Não é.

Tampouco seria pela cintura,
antitese de seio e quadril,
teu equador de ampulheta.

Menos ainda pelos seios, seios, seios, seios...
quadris, quadris, quadris, quadris,
que são o Tempo.

Nem pelas pernas sem roupa,
melhores amigas da praia,
pintadas à cor dos olhares.

(Giras o mundo quando te locomoves.
Despreocupada, confundindo
o dia, danças, da colheita.)

Não. Nada disso me encanta.
Nem por isso estou por ti.
Mas por teu sapatinho de laço.

É pelo cremoso sapatinho, querida,
de laço, que, teu, me encantas.
E eu te sigo. Praças. Largos. Bares. Baile.

domingo, 17 de agosto de 2008

É doce morrer no Mar

para Dorival Caymmi, hoje,
no seu último dia

Ao longe no mar e
contando as ondas
que Rosa te fez cantar.
Me lembrou a Bahia
esticada entre coqueiros
sobre redes e canoas.
Bahia das ondas de prata.

Um menino sentado
ergue os papagaios
e ouvindo canções
que Rosa te fez cantar:
"Coqueiro de Itapuã,
Adeus Belém do Pará".

▒▒▒Assim hoje morreu nas ondas
▒▒▒um assovio do mar.
16 de Agosto de 2008

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Apresentação

A Repartição da Flor é um grupo de jovens poetas nascido em agosto de 2007, que após percorrer bares de Santa Teresa, palcos do Rio de Janeiro, cadernos de literatura, hoje é uma casa aberta aos amigos. Com uma humilde biblioteca de livros e outra de garrafas, funciona para lembrar alguns que cantaram e se foram, alguns que apenas se foram e outros que estão chegando; nosso espetáculo é um diário franco, que encena a partir de obras brasileiras, poemas próprios e pequenos diálogos. Seus três poetas são José Agapanto, J.M Poranga e Teófilo de Flamboyant, e seu músico de mão cheia é Eric Dalles, ainda sem batismo.

"Do charco bege do ofício, condensa-se um cálido lírio. Dos bolorados arquivos, desborboleta um hibisco. Da cinza sequês da sala, vermelha, avulta-se a dália.”

obs: Nosso blog é aberto para todos, aqui postamos textos de autoria própria, e daqui mandamos um abraço cordial para cada um de nossos leitores. Muito obrigado.

A Repartição da Flor

Onde houver uma noite e uma estrela sem pressa
a pintar nos milênios do mar sua cor...
Onde houver festa e riso e cerveja na mesa
e faltar o estopim para um beijo de amor...
Onde houver um jardim prenhe a ponto de parto
e o florista de fogo provar seu valor...

Onde houver um olhar navegando a lembrança
por cirandas e rodas de um tempo sem dor...
Onde houver papelada e patrão e silêncio,
mas se ouvir pelas frestas canções sem pudor...
Onde houver tão-somente uma lágrima viva
remolhando a semente de um trabalhador...

Há de haver poesia! E José já dizia:
- Inicia no verso o Expediente da Flor!

sexta-feira, 16 de maio de 2008

O operário em construção

"E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo.
E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero;
portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás."

(Lucas, capítulo 4, versículos 5-8)

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer o tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que a sua marmita
Era o prato do patrão
Que a sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que o seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que a sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
-"Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
E o operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca da sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! -disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem pelo chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

(Vinicius de Moraes)

terça-feira, 22 de abril de 2008

desfecho